Cervejas e pizzas são irmãs separadas no nascimento: as duas têm origem na fermentação biológica de cereais — às vezes, os mesmos cereais. O que a pizzaria paulistana Marias e Clarices fez, portanto, foi promover um reencontro: acrescentou, ao preparo da massa, copos de cerveja dos tipos Ale, IPA ou Stout. É uma forma de surpreender uma clientela já acostumada a opções como cobertura, espessura do disco e recheio da borda.
A receita foi aperfeiçoada por três décadas pelo engenheiro Ivo Herzog, de 52 anos. Além de fundador da pizzaria, ele é presidente do conselho diretor do Instituto Vladimir Herzog — organização pró democracia que leva o nome do seu pai, morto pela ditadura militar em 1975.
No forno a lenha de sua casa de campo, Herzog experimenta guloseimas para servir aos amigos. “No preparo, substituí a água pela cerveja e fiz dela a alma da minha pizza: a beer pizza”, afirma Herzog. O ingrediente interfere na fermentação natural. O resultado é uma massa com sabor, aroma, cor e elasticidade diferentes.
Os experimentos de Herzog com a beer pizza ganharam fôlego, e as técnicas se aprimoraram no período em que o engenheiro trabalhou na área de logística da Ambev, entre 2002 e 2004. Na maior cervejaria do mundo, ele aprendeu sobre fabricação e conservação de cervejas.
O hobby de assar beer pizzas em casa virou negócio em dezembro de 2018, com o incentivo de quatro amigos que assumiram o papel de investidores-anjo e aportaram R$ 1,2 milhão na Marias e Clarices — nome que faz referência ao protagonismo feminino e homenageia a mãe de Ivo, Clarice Herzog. Para o dia a dia da pizzaria, Herzog também conta com o sócio Henrique Berlinck d’Utra Vaz, de 52 anos.
A Marias e Clarices oferece três variedades de massa de pizza, conforme o tipo de cerveja usado na receita: com IPA, amarelada e de toque caramelizado; com Stout, mais escura e de notas encorpadas; e com Ale, de toque cítrico e cor avermelhada. “Nenhuma delas apresenta vestígio de álcool, mas todas se diferenciam da massa tradicional na crocância, cor, aroma, paladar e, principalmente, na experiência que proporciona ao cliente, de resgate das suas próprias referências”, afirma.
A bebida usada na receita das pizzas do Marias e Clarices é a mesma servida nos copos dos clientes. É fornecida pela Cervejaria Nacional, uma das pioneiras na onda de cervejas artesanais, que fornece para bares e restaurantes de São Paulo. Dos 700 litros que a pizzaria consome por mês, cerca de um quarto é destinado ao preparo das massas. Diariamente, uma porção é fracionada para ficar à disposição da cozinha. Nessas primeiras semanas de funcionamento do restaurante, a proporção de sabores está em 40% do tipo Stout, 35% de IPA e 25% de Ale.
A expectativa é faturar R$ 200 mil mensais e alcançar o ponto de equilíbrio do empreendimento nos quatro primeiros meses de operação. Já o tempo de retorno do investimento, prevê Herzog, deve levar 27 meses.
A CERVEJA QUE CRESCE REDONDA
1. 700 litros de cerveja por mês são armazenados na câmara frigorífica da pizzaria, à temperatura de 5°C. Em média, 25% serão usados para a produção de massa. O restante é destinado à venda nas mesas.
2. Apenas a medida de cerveja que será usada na produção do dia é retirada da
câmara frigorífica. A quantidade pode mudar em função de fatores que impactam a hidratação, como características da farinha, tipo de sovação, velocidade e tempo da sova, entre outros.
3. A cerveja é adicionada à mistura de farinha, fermento e outros ingredientes da receita, que fica guardada a sete chaves.
4. A massa é levada para uma sovadeira, com capacidade para até 50 kg, na qual é trabalhada por uma pá no formato de espiral.
5. Depois, é armazenada em um ambiente de baixa temperatura para fermentar por mais de 24 horas.
6. Pequenas bolas de massa são retiradas e acondicionadas em temperatura ambiente para uma segunda fermentação,
de 3 a 4 horas.
7. Abrem-se as bolas de massa com a mão — e não com rolo — para formar os discos de pizzas. “O segredo da maciez é não apertar a massa, para preservar o gás carbônico que tem dentro dela”, afirma Herzog.
8. Para o recheio, a casa sugere algumas harmonizações. Pizzas com queijo combinam com a massa de IPA (caramelizada). As que levam ingredientes exóticos e mais leves caem bem com a de Ale (cítrica). Já as que contêm carne harmonizam bem com a massa de Stout.
9. As pizzas são levadas ao forno, que é giratório e alimentado tanto a lenha como a gás. “O objetivo é manter a temperatura sempre igual e uniforme, para evitar pizzas queimadas ou borrachudas”, diz.
Lara Silbiger
fonte: https://revistapegn.globo.com/Banco-de-ideias/Alimentacao/noticia/2019/03/conheca-pizza-que-e-feita-com-cerveja.html
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